O Perdão Libertador
por Hiram Vieira Sampaio
Uma das forças mais poderosas que impulsionam o nosso processo de transformação interior e, por consequência, o nosso progresso, é o perdão. Quem perdoa se liberta, alivia seu fardo, torna a vida mais leve e afasta a sua mente do passado.
Analisando detalhadamente a questão, podemos entender que cada pessoa faz suas escolhas e toma suas decisões baseadas em seu universo próprio, constituído pelos seus conhecimentos e vivências pessoais. Sendo assim, eu posso dizer ao outro como eu me sinto em relação ao que ele faz ou diz, mas eu não tenho o poder de controlar o que ele faz ou diz. Não posso afirmar que alguém fez algo que “me feriu”; eu é que “me feri” com algo que alguém fez. A sensação de ofensa ou de ferimento interno e psíquico é de quem sente. Dentro dessa perspectiva, cabe somente a mim o poder de decidir não me ofender, não me ferir e, portanto, perdoar.
Nossa transformação pessoal e nosso progresso espiritual só acontecem quando conseguimos perdoar. Para vislumbrarmos uma realidade nova, devemos nos desvencilhar das relações, emoções e sensações daquilo que já aconteceu. Se estamos muito apegados ao passado, temos dificuldades em mudar aquilo que queremos para o nosso futuro. Dessa forma, não perdoar, conservar mágoas, ressentimentos e rancores do passado significa “prisão no passado” e é muito difícil caminhar para frente quando se está preso ao passado. Por isso, perdoar é uma atitude profundamente inteligente. Para William Shakespeare, “guardar mágoa, é como tomar veneno e esperar que o outro morra”. Ponderemos, assim, que a nossa vida pode não caminhar para frente ou não ter mudanças significativas porque estamos presos às mágoas do passado e isso congela nossas atitudes.
Sabemos, no entanto, que a atitude do perdão não é uma virtude que se desenvolve facilmente, mas sim, à custa de muito esforço e lapidação pessoal, pois para perdoar necessitamos vencer o sentimento de orgulho e egoísmo que ainda se encontram muito arraigados em nós. Além disso, Kau Mascarenhas elucida que muitas pessoas não perdoam porque estão congeladas a alguns mitos:
1º Mito: PERDOAR SIGNIFICA ESQUECER – Perdoar tem a ver com emoção e não com a memória. Nossa mente e nosso cérebro é uma máquina de aprender e não abre mão de guardar novas experiências, novos aprendizados e novas realidades, principalmente aquelas relacionadas com a existência de outras pessoas. Portanto perdoar não é esquecer. Eu posso perdoar alguém mesmo que eu me lembre do evento e das circunstâncias que, naquele momento no passado, me causaram algum tipo de sensação negativa. Se eu esqueço, eu perco o aprendizado; se eu me lembro, eu ganho o aprendizado e, assim, diante de situações semelhantes, eu não preciso cometer os mesmos erros.
Então, para perdoar não necessitamos esquecer e sim lembrarmos de uma forma diferente, dissociada do sentimento. Lembrar da experiência como expectador e não como um personagem inserido na cena. Lembrar sem sentir a dor novamente. A cicatriz é um sinal que nos lembra que, no passado, ali já houve uma ferida, mas que agora, apesar do sinal, não dói mais.
2º Mito: PERDOAR SIGNIFICA COMPACTUAR COM O ERRO – Tem gente que não perdoa por acreditar que se o fizer estará entrando em conivência com o erro do outro. De forma alguma! Posso deixar muito claro que eu compreendo os motivos que levaram o outro ao erro com o qual eu me feri, mas não preciso concordar com aquilo. Isso nos remete ao terceiro mito: o de crer que perdoar significa permanecer lado a lado com o outro.
3º Mito: PERDOAR SIGNIFICA PERMANECER NA COMPANHIA DE QUEM FEZ COISAS COM AS QUAIS NÃO CONCORDAMOS – Outro equívoco! Eu posso perdoar alguém e, apesar disso, perceber que esta pessoa possui valores que são diferentes dos meus, atitudes que não combinam com as minhas, e, por falta de afinidade recíproca, optar por permanecer distante dela. O que mudou? Mudou à minha maneira de pensar no evento, não estou mais lado a lado com esta pessoa, mas não sinto mais a mágoa em mim. Eu tenho o direito de escolher as pessoas com as quais eu quero conviver. Logo, mesmo perdoando, não necessito ficar demonstrando um perdão, na companhia daquele com o qual eu não afino mais.
Outra questão importante que devemos analisar em relação ao perdão, é que muitas vezes, aquelas pessoas que fizeram algo com o qual nós nos ferimos, já não existem mais. Elas mudaram, progrediram, agregaram valores a si mesmas, altearam o seu modo de pensar e de agir. O modo como agiram no passado, com o qual eu me feri, em idênticas circunstâncias no futuro talvez nunca mais agissem da mesma forma.
Existem pessoas que guardam mágoas por décadas e outras ainda que as levam para além do túmulo tornando-se causa de obsessões lamentáveis. Essas pessoas estão congeladas num momento histórico que nunca mais se repetiria, porque o algoz de outrora já não existe mais. Ele mudou, se aprimorou, seguiu em frente e quem não mudou foi o dono da mágoa que insiste em alimentar a dor que lhe causa uma série de prejuízos silenciosos que culminam na tristeza e nas doenças psicossomáticas que muitas vezes reclamam novas existências para a correção dos prejuízos.
Por isso Jesus nos exorta a “perdoar setenta vezes sete”, pretendendo trazer um número tão grande que sugerisse a ideia infinita da ação libertadora para que a mesma se tornasse intrínseca ao comportamento do ser humano pela contínua repetição. Também nos ensinou a “dar a outra face”, não à espera de uma nova agressão, mas oferecendo ao agressor uma outra postura. Talvez o que o Mestre quis que entendêssemos, é que se alguém nos oferece a face da violência, devemos oferecer uma outra face: a face da não-violência e do perdão.
Cada um de nós tem o direito de viver da forma como é e devemos que ter o cuidado para não trazermos para o nosso coração e para a nossa vida, as realidades que não nos pertencem.
Se liberte! Perdoe e caminhe para frente!
Hiram Vieira Sampaio é voluntário no Centro Espírita Batuíra, onde atua no Departamento de Ensino.