Viver é o melhor remédio

por Hiram Vieira Sampaio

Uma jovem senhora de 32 anos de idade se envenenou tomando formicida, deixando o esposo e um filhinho em casa. Não era pessoa de cultura excepcional, do ponto de vista do cérebro, mas caracterizava-se, na Terra, por nobres qualidades morais, moça tímida, honesta, operosa, de instrução regular e extremamente devotada aos deveres de esposa e mãe.

Seguia a fé religiosa, como acontece a muita gente que acompanha os outros no jeito de crer, na mesma situação com que se atende aos caprichos da moda. Não admitia que fosse encontrar a vida depois da morte, como a via agora, tão cheia de problemas ou, talvez, mais cheia de problemas que a própria existência no mundo.

Com a morte do corpo, não conseguia sequer mover um dedo, mas, por motivos que ainda não sabia explicar, permaneceu completamente lúcida e por muito tempo. Ao verificar-se desencarnada, além de terríveis sofrimentos, sentiu que um remorso indefinível tomou conta de si.

Ouvia os lamentos do marido e do filho pequenino, debalde gritando também, a suplicar socorro. Quando o rabecão arrebatou seu corpo imóvel, tentou ficar em casa, mas não pôde. Teve a impressão de que jazia amarrada ao seu próprio cadáver pelos nós de uma corda grossa. Sentia nela mesma, num fenômeno de repercussão que não sabia definir, todos os baques do corpo no veículo em correria. Atirada com ele (o corpo) a um compartimento do necrotério, chorava de enlouquecer.

Depois de poucas horas, notou que alguém a carregava para a mesa de exame. Viu-se completamente desnuda e tremeu de vergonha. Mas a vergonha fundiu­‑se no terror que passou a experimentar ao ver que dois homens moços a abriam o ventre sem nenhuma cerimônia, embora o respeitoso silêncio com que se davam à pavorosa tarefa. Não sabia o que lhe doía mais, se a dignidade feminina retalhada aos seus olhos, ou se a dor indescritível que lhe percorria a forma, em seu novo estado de ser, quando os golpes do instrumento cortante lhe rasgavam a carne.

Mas o martírio não ficou nesse ponto, porque ela, que horas antes se achava no conforto de seu leito doméstico, teve de aguentar duchas de água fria nas vísceras expostas, como se fosse um animal dos que ela vira morrer, quando menina, no sítio de seu pai… Então, clamou ainda mais por socorro, mas ninguém lhe escutava, nem a via… Recorreu à prece, mas orava, à maneira dos loucos desesperados, sem qualquer noção de Deus…

Achava­‑se em franco delírio de angústia, atormentada por dores físicas e morais… Além disso, para salvar o corpo que ela mesma destruíra, a oração era um recurso do qual lançara mão muito tarde. Alguns amigos e parentes desencarnados, procuravam auxilia-la, mas inutilmente, porque a sua condição de suicida lhe punha em plenitude de forças físicas. As energias do corpo abandonado como que lhe eram devolvidas por ele e ela se achava tão materializada em sua forma espiritual quanto na forma terrestre. Sentia­‑se completamente sozinha, desamparada… Com terror, assistiu ao próprio enterro.

Havia Espíritos benfeitores no cemitério, mas ela não podia vê­‑los, pois mentalmente estava cega de dor. Sentiu-se sob a terra, sempre ligada ao corpo, como alguém a se debater num quarto abafado, lodoso e escuro… Não conseguiu saber quanto tempo esteve na cela do sepulcro, seguindo, hora a hora, a decomposição de seus restos…

Houve, porém, um instante em que a corda magnética cedeu e ela se viu libertada. Pôs­‑se de pé sobre a cova. Percebeu que estava fraca, faminta, sedenta, dilacerada… Não havia tomado posse de seus próprios raciocínios, quando se viu cercada por uma turma de homens que, mais tarde, veio a saber serem obsessores cruéis. Deram-lhe voz de prisão. Um deles lhe notificou que o suicídio era falta grave, que ela seria julgada em corte de justiça e que não lhe restava outra saída, senão acompanhá-los ao tribunal. Obedeceu e, para logo, foi por eles encarcerada em tenebrosa furna, onde pôde ouvir o choro de muitas outras vítimas. Esses malfeitores a guardaram em cativeiro e abusaram da sua condição de mulher, sem qualquer noção de respeito ou misericórdia… Somente após muito tempo de oração e remorso, obteve o socorro de Espíritos missionários, que a retiraram do cárcere, depois de enormes dificuldades, a fim de a internarem num campo de tratamento.

Tinha decidido se matar por ciúmes do esposo, que passara a simpatizar com outra mulher, mas a sua atitude lhe trouxe apenas complicações. Após seis anos de ausência, ferida por terríveis saudades, obteve permissão para visitar a residência que ela julgava como sendo sua casa no Rio.

Tremenda surpresa!… Em nada adiantara o suplício. Seu esposo, moço ainda, necessitava de companhia e escolhera para segunda esposa a rival que ela abominava… Ele e seu filho estavam sob os cuidados da mulher que lhe suscitava ódio e revolta…

Sofreu muito em seu orgulho abatido. Desesperou­‑se. Auxiliada pacientemente, contudo, por instrutores caridosos, adquiriu novos princípios de compreensão e conduta. Aprendendo agora a converter aversão em amor. Começou procedendo assim por devotamento ao seu filho, a quem ansiava estender as mãos, e só possuía, no lar, as mãos dela, habilitadas a lhe prestarem semelhante favor…

Pouco a pouco, notou­‑lhe as qualidades nobres de caráter e coração e hoje a ama, deveras, por irmã de sua alma…

O suicídio intensificou a sua luta íntima e lhe impôs, de imediato, duras obrigações. Tem fome de esquecimento e de paz. Trabalha de boa vontade em seu próprio burilamento e qualquer que seja a provação que lhe espere, nas corrigendas que merece, roga, agora, à Compaixão Divina lhe permita nascer na Terra, outra vez, quando então pretende retomar o ponto de evolução em que estacionou, para consertar as terríveis consequências do erro que cometeu.

(XAVIER, Francisco Cândido. Estante da vida. Adaptação SAMPAIO, Hiram Vieira)

O suicídio

É um fenômeno que resulta da interação complexa entre fatores sociais, psicológicos, biológicos, culturais e espirituais. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no mundo mais de 800 mil pessoas por ano, tiram suas próprias vidas. A cada 40 segundos uma pessoa morre por suicídio. As causas para isso podem ser a fuga da solidão, depressão, enfermidades incuráveis, violência, maus tratos e abusos de todo tipo, pobreza extrema, preconceito, fanatismo religioso, negligência e abandono familiar, perdas afetivas, alcoolismo, drogas, desesperança e obsessões espirituais.

Pensamentos e sentimentos de querer acabar com a própria vida podem ser insuportáveis e acaba sendo muito difícil saber o que fazer e como superar esses sentimentos. Mas existe ajuda disponível!

É muito importante conversar com alguém em que você confie. Não hesite em pedir ajuda.

É importante quebrar certos mitos que envolvem o suicídio como por exemplo:

MITO – “Quem tem a intenção de tirar a própria vida não avisa”

Ao contrário do que muitos pensam, os suicídios são premeditados e as pessoas dão sinais de alerta de suas intenções aos quais devemos estar atentos como: alterações significativas nos hábitos de higiene, alimentação ou sono, diminuição do desempenho no trabalho, irritabilidade e comportamento de autodefesa, obsessão com a morte (música, poesia, arte,…), mudança de humor, depressão e tristeza, uso de álcool ou drogas, isolamento e afastamento do convívio social, distribuição de bens ou confecção repentina de um testamento, problemas financeiros, conversas ou ideias sobre suicídio.

MITO – “O suicídio não pode ser prevenido”

Reconhecer os sinais de alerta e oferecer apoio ajudam na prevenção. Devemos levar a sério comentários ou ameaças referentes ao suicídio e conversar com a pessoa ajudando-a a encontrar auxilio e ficar alerta a frases do tipo: “Não aguento mais sofrer”, Faço tudo errado, não sirvo pra nada”, “Quero desaparecer”, “Não suporto mais essa vida”, “Quero morrer”, “Não vejo futuro pra mim”, “Minha vida não vale mais a pena”, entre outras.

MITO – “Pessoas que falam sobre suicídio só querem chamar a atenção”

A expressão do desejo suicida, nunca deve ser interpretado como simples ameaça ou chantagem emocional, mas como um sinal de alerta para um risco real. Boa parte expressou em dias ou semanas anteriores o desejo de se matar.

MITO – “A pessoa que supera uma crise de suicídio ou sobrevive a uma tentativa está fora de perigo”

As pesquisas apontam que um dos períodos mais perigosos é quando a pessoa está melhorando da crise que motivou a tentativa. A semana que segue à alta do hospital é um período durante o qual a pessoa está particularmente fragilizada e ainda apresenta risco alto de atentar contra a sua vida.

MITO – “Se a pessoa pensava em suicidar-se e passou a se sentir melhor é porque o problema já passou”

Cuidado! O suicida em potencial pode sentir-se melhor ou aliviado, simplesmente por ter tomado a decisão de se matar.

MITO – “Não devemos falar sobre suicídio, pois isso pode aumentar o risco”

Muito pelo contrário! Falar sobre o assunto pode aliviar a angústia e a tensão da pessoa.


Diante de uma pessoa sob risco de suicídio não devemos:

– Condenar ou julgar (Ex: “Isso é covardia”, “é loucura”, “é fraqueza”),

– Banalizar (Ex: “É por isso que você quer morrer?”, “Já passei por coisas piores e não me matei”),

– Opinar (Ex: “Você quer chamar a atenção”, “Isso é falta de vergonha na cara”, “Te falta Deus”),

– Dar sermão (Ex: “Tem muitas pessoas com problemas mais sérios do que os teus, siga em frente”)


Como podemos ajudar?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca a importância do diálogo para ajudar, dando à pessoa um sentido de que as coisas podem mudar. Para tanto, a abordagem deve ser calma, aberta e de aceitação e não de julgamento. Ouvir atentamente demonstrando compreensão e respeito.

  • Procure um lugar calmo e apropriado para conversar. Ouça e ofereça seu apoio.
  • Incentive a pessoa a procurar a ajuda de um profissional de saúde mental, médico, psicólogo, assistente social. Ofereça-se para acompanhá-la a uma consulta.
  • Se você acha que essa pessoa está em perigo imediato, não a deixe sozinha.
  • Se a pessoa mora com você, assegure-se de que ela não tenha acesso a meios para provocar a própria morte.
  • Estimular a valorização pessoal.
  • Exercitar a oração, as leituras otimistas e edificantes
  • Procurar o atendimento fraterno, tomar passes e água fluidificada.
  • Ligar para o telefone 188 e ou entre no chat para conversar com um voluntário de plantão do Centro de Valorização da Vida (CVV).

Do ponto de vista espírita, a morte do corpo não acaba com a vida do espírito e aquela pessoa que esperava o alívio para os seus sofrimentos, depara-se, do outro lado da vida, com padecimentos ainda maiores. Além disso, os espíritos superiores nos afirmam na Quarta Parte do Livro dos Espíritos que a vida é um bem indisponível e o autoextermínio é uma grave transgressão à Lei Divina.

A reencarnação é uma bênção que o Senhor da Vida nos oferece para corrigirmos, em doses homeopáticas, os nossos desvios do passado e melhorar nossa condição ética e moral, que é a esteira do progresso espiritual.

Portanto, viver ainda é o melhor remédio.

Hiram Vieira Sampaio é voluntário no Centro Espírita Batuíra.

Viver é o melhor remédio​
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Uma ideia sobre “Viver é o melhor remédio​

  • 20 de setembro de 2020 em 18:39
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    Muito bom, esclarecedor, obrigado 🙏🏻

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